segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Comunicação e expectativas - parte II

O outro episódio da semana que me fez pensar sobre estas duas palavras veio de uma troca de mensagens [um pouco truncadas e confusas] com o Dario, um amigo meu de Salvador que conheci recentemente.


Dario: Eu estou numa história que ainda estou ponderando se faz bem pra mim. Bom, o conheci no grindr domingo depois de ter ido à boite à noite. Estávamos com tesão e eu ainda tinha padê e fizemos um sexo incrível. Ele só me elogiando. Me encheu a bola. Passei a semana viajando. Volto na sexta, nos vimos de novo com padê e acabei dormindo lá. As semanas se passaram. No meu aniversário ele me surpreende e me convida para o acompanhar na pré estreia de um musical.

Dario: Bom nos vemos quase todos os dias. Como cozinho, levo algo e jantamos juntos. E muitas vezes rola netflix e assistimos o filme cada um no cantinho do sofá. Eu ontem fiz um risoto, levei aquele vinho que te mandei nas fotos e padê. Muito padê aí ele fica com tesão. Mas o ar condicionado do quarto dele não para de pingar, ele tem de colocar um balde no colchão e a cama fica super apertada. Eu vou pra casa. Ele me deu rivrotril e eu dormi até as 15:30. E acordei pensando se vale tudo a pena. O que você acha?

Eu: aparentemente não parece haver nenhum fator estranho... ou se entendi, o que tá te incomodando é o fato de sempre ter padê envolvido?

Dario: Eu fico nessa de pensar que sem padê não existe tesão por mim. 

Eu: vcs só transam quando vc leva o padê?

Dario: Sim, ele é ator. Nesse momento sem emprego e pode ser chamado pra coisa em todo Brasil. Por isso não estamos firmando nada. Levando o dia após dia. Mas ser mandado dormir em casa todas as vezes me machuca. 

Eu: ele nunca deixa vc dormir lá? E ele nunca dorme na tua casa?

Dario: Na minha casa é um barulho muito forte.

Eu: Vc já experimentou transar com ele sem padê?

Dario: Eu acho que o que rola é uma amizade e o padê dá um tesão. Nada mais. Viver sem estresse e bola pra frente.

Eu: ah queridão, pelo que vc tá dizendo, eu acho que tem de dar uma balizada na expectativa. Talvez vc tenha criado uma expectativa de ele ser algo a mais pra vc, e a gente faz isso mesmo a todo tempo. Mas talvez o cara está numa vibe de amizade, um sexo de vez em quando e se tiver um padê pra turbinar, melhor ainda. 

Eu: Então acho que das duas uma (e claro, to falando como alguém que tá de fora, não acompanhando tão de perto); ou vc consegue reclassificar esse sentimento, encarar ele como um amigo com o qual que pode rolar uma trepada e nada mais. É saber que vc vai dar uma trepada com ele mas vc vai dormir em casa sozinho. Se vc conseguir lidar bem com isso, beleza. A outra opção é vc se afastar, se está te fazendo mal e se vc acha que não vai conseguir repaginar essa expectativa. Aí é se afastar e cara, a vida é assim, bola pra frente, não vai ser a 1a vez nem a última e a gente vai se blindando, aprendendo a se defender nessas situações que aparecem. 

Dario: é exatamente isso que estou fazendo. Não é uma coisa de repaginar, na verdade também não te coloquei totalmente o contexo... Eu sou nada nada santo, já fiquei com um cara nesse meio tempo, um italiano que faz doutorado aqui, que é muito minha praia também, todo tatuado, musculoso, fortão, que faz umas loucuras junto comigo. Não tô deixando de matar minha vontade. O negócio do ator é que são coisas que vão te ligando de uma outra forma. É um convívio de todos os dias, de vc ir conhecendo cada vez mais a pessoa, as vezes tá um pouco distante, outros dias tá querendo me dar um abraço, quer que eu coma ele, agarre ele, às vezes levantar ele pra cima, pra baixo...  Então uma coisa assim diferente. E vc é uma pessoa que dá tanta tranquilidade de falar as coisas, eu me senti tão bem com você, é uma coisa tão boa ter a tua amizade que eu resolvi contar um pouco disso pra vc e eu te agradeço do fundo do meu coração vc ter usado o teu tempo pra responder tudo isso e olha, eu vou fazer exatamente isso, dar uma olhada nas minhas expectativas, e elas tão realmente...

Dario: Amigo, eu descobri e é chato isso, que eu não sou uma pessoa de relacionamento. Eu sou uma pessoa que desde a escola vai mudando de turma em turma, de sala em sala, muda de país, de casa, então não sou uma pessoa muito de criar raízes. Mas é que às vezes vc tenta, acha que vai ser a vez, e lembra sempre que quando tiver de ser, a coisa mais natural não acontece de um lado só, de forma unilateral, mas bilateralmente... Com isso te deixo um grande beijo, uma ótima semana e que um dia a gente possa se ver aqui em SSA, pra tomar um bom vinho, sair e rir muito, que tá faltando, que faz tempo que a gente não ri.

Eu: imagina querido, pode me colocar as coisas sempre que vc quiser... eu falo tanta coisa minha pra vc também. Aliás tamos com os assuntos super atrasados. Quero te contar da viagem minha, que foi legal, arrumei uma paixonite lá, mas que eu sabia que tinha seu tempo e espaço determinados, mas foi bem bacana. Esse final de semana tamos aqui entusiasmados com a próxima festa, pessoal de brasília e rio fervidíssimos tão vindo também, vai ser uma loucura, literalmente. 

Eu: mas olha, te ouvindo falar, talvez tenha pintado um sentimento por esse cara e eu super entendo quando vc diz que não é uma pessoa de relacionamento porque eu também levei muito tempo pra descobrir que eu não sou também. Claro, isso pode mudar, mas cara eu também não crio raízes e até acho que ano que vem muito provavelmente não estarei aqui. Não sei onde estarei, mas meu feeling já vem me dizendo que não vai ser aqui. Mas te ouvindo me apareceu uma 3a opção que é a seguinte, vê se faz sentido pra vc: vc pode sentar com ele e falar tudo o que vc disse. Falar das suas impressões. Mas isso só vale a pena se vc tiver a fim de estreitar laços com ele. Mas de uma forma mais consciente. Pq vc vai estreitando laços com ele mas vc não sabe se ele quer amizade, se é mais que isso, parece que ele emite sinais meio dúbios pra vc, do que vc me conta parece isso. Então de repente uma conversa pode esclarecer isso. Ele pode dizer "não, pra mim é só uma amizade", ou "é uma amizade com sexo", ou "eu gosto de vc, tô me ligando e acho que a gente pode continuar isso". Acho que uma conversa aberta pondo as coisas em pratos limpos pode ser a melhor coisa. Ou confirma a tua expectativa ou não confirma e aí vc parte pra frente. 

No fim tudo se ajeitou... eles continuam a se ver, acho que o Dario sossegou um pouco o coração dele. Interessante que mesmo caras mais experientes, descolados e desapegados às vezes são "pegos" em histórias que acendem uma certa chama de romantismo... isso acontece comigo também... de tempos em tempos bate o que costumo chamar de cuddle feelings, aquela vontade de ficar agarrado em alguém, dormir de conchinha, cozinhar juntos.... o Dario tava tendo algo parecido, uma convivência diária gostosa com alguém... bom seria se isso pudesse acontecer sem os desgastes e cobranças que fatalmente começam a aparecer depois de um tempo.


Às vezes pela leitura do blog pode dar a impressão que sou contra relacionamentos... eu não sou contra relacionamentos... sou contra certas regras que as pessoas se impõem... e discordo da visão tradicional monogâmica exclusiva, como se este fosse o único caminho possível para a felicidade e como se só fosse ser possível ser feliz numa fusão de dois. Me incomoda que muitas vezes gays, a despeito da liberdade duramente conquistada, optem por repetir padrões de relações heterossexuais que não funcionam e trazem muita frustração.

O Dario é um cara experiente o bastante pra perceber que a expectativa que esta história tava criando nele poderia não corresponder à realidade... desde o começo já ficou plantada uma dúvida pela correlação sexo - padê e essa dúvida foi se confirmando...  


Interessante também que o ator parecia estar curtindo os momentos ao lado do Dario, mas não necessariamente da mesma forma ou pelos mesmos motivos. Ele curtia a companhia, curtia o sexo (ainda que na dependência de aditivos), mas ainda assim, não tinha intenções mais profundas em relação ao meu amigo. Eu consigo entender os dois lados, pois já estive em cada um deles várias vezes em diversas histórias. O lado do Dario talvez seja o mais comum de acontecer, já conhecemos bem isso, vc se encanta por alguém, se interessa e passa a querer viver isso cada vez mais. 

Mas o lado do ator muitas vezes não é compreendido, não é entendido, mesmo por quem está nessa posição. Então a gente não pode curtir uma história sem necessariamente querer casar com a pessoa? Não posso demonstrar carinho sem que isso represente necessariamente uma intenção de namoro ou um sentimento parecido com amor? E pra quem tá de fora, eu sei, pode ser muito difícil de entender e "engolir"... mas vale a pena pensar no argumento e pensar que as pessoas podem estar numa relação (ainda que fugaz, sem maiores compromissos) mas com interesses distintos. E aí cabe a vc avaliar se o interesse do outro te parece legítimo, se pra vc é tranquilo perceber e aceitar isso. 

O Dario poderia aceitar de boa que o outro só curtia transar com ele se tivesse padê no script... mas preferiu não aceitar, por achar que isso lhe preservaria a integridade naquele momento (e cá entre nós, por também ter outras opções e não precisar focar só nesse cara... isso faz diferença também). Acho que eles vão transar outras vezes, mas aí o Dario já terá balizado a expectativa dele, já saberá o que exatamente aquilo significa e até onde vai... e justamente por isso, talvez consiga curtir o lance de forma plena, sem neuras e preocupações com o "após". 


Então novamente o episódio reforça a importância de balizarmos nossas expectativas com 'evidências realistas' (pleonasmo essa expressão... mas é pra reforçar mesmo, rs...). E uma das formas de balizar, além claro, da observação meticulosa do que se passa ao seu redor, pode ser também um bom papo com quem vc está se relacionando... claro, esse tipo de conversa tem o seu momento, senão fica uma coisa chata estilo 'DR', mas sempre aparece uma hora pra vc "confrontar" as reais intenções do outro e isso te ajuda a não se iludir e a fazer escolhas conscientes pro futuro.    

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