quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Sonhos

O sonho é uma realização (disfarçada) de um desejo (suprimido ou recalcado). (Sigmund Freud)


Não sei vocês, mas eu quase sempre fico muito impressionado com a capacidade da nossa mente em 'montar' e nos apresentar sonhos. 

Também não sei vocês, mas eu quase sempre fico muito impressionado com a confusão que são os meus sonhos, a junção de coisas díspares, de contextos diferentes, personagens que na vida real estão separados de repente estão reunidos com a maior naturalidade. 


E por mais óbvio que possa ser, é incrível como os sonhos revelam nossos desejos (os que aceitamos e principalmente os que negamos) e também os nossos conflitos mais perturbadores ou aqueles que temos dificuldade de resolver e encaminhar. 

Acho que foi exatamente isso que me aconteceu no domingo.

Não sei explicar muito claramente, mas a partir do momento em que saí da casa dos meus pais, gradualmente as afinidades foram se perdendo e fui me distanciando. A vida cotidiana é muito diferente; os objetivos de vida são muito diferentes. Hoje em dia temos poucas afinidades e nos momentos em que convivemos, há pouco a ser dito e partilhado.  

A minha vivência gay foi também um fator de distanciamento em relação à minha família, mesmo depois de ter escancarado as portas do armário. Não sei se precisava ter sido assim, mas foram colocadas por mim em lados opostos. Até porque certamente desaprovariam muitas das coisas que faço, dada a herança católica ainda bastante presente ali. Há coisas inclusive que eles nem fazem ideia que existem. 

Esse contexto ajuda a explicar a "salada mista" que vou narrar abaixo.
Eu estava no meu quarto quando recebo uma mensagem do meu pai pelo whatsapp. Ele estava em São Paulo, voltaria pro interior e passava no meu prédio pra se despedir.
Eu respondo a mensagem dizendo que desceria à portaria para vê-lo e me despedir.
Daí eu saio do quarto pra pegar o elevador e eis que chego à sala e lá está rolando uma suruba com vários caras. Eu não consigo identificar nenhum ao certo, exceto um deles: meu chefe.
Eu não me lembro ao certo se estavam pelados... sei que ninguém estava trepando na hora, mas rolava aquele andar de reconhecimento pelo local típico de corredor de sauna; abordagens preliminares.
Eu sei que começo a conversar com as pessoas, estou preocupado em agradar meu chefe, em que ele não tenha uma visão negativa a meu respeito e o tempo vai passando, passando e eu simplesmente não consigo sair do apto e descer à portaria onde meu pai estava me esperando. 
[Pausa: esse tipo de situação é um sonho muito recorrente pra mim. Acontece de eu ter de ir a algum lugar ou realizar alguma tarefa mas nunca conseguir. Daí eu passo a noite inteira lutando no sonho pra conseguir e é muito desgastante. Por exemplo: um relatório que preciso escrever no trabalho, uma reunião com itens a negociar ou uma viagem na qual não consigo chegar ao aeroporto. Tem sempre algo (ou algoS) me impedindo de finalizar um determinado objetivo.] 
Num dado momento eis que chega nova mensagem no whatsapp, dessa vez da minha irmã. Uma frase dura: 'vc não tem vergonha de mentir pro seu pai?' Me lembro que no sonho eu entendia que meu pai tinha me esperado um tempo e ido embora. Me lembro também de ter ficado muito mal e um pouco desesperado pelo meu pai e muito puto pela abordagem agressiva da minha irmã. 
Este o sonho. Quando acordei e me lembrei dele senti um certo desconforto, parecia tudo tão real. E foi muito do que vivi esse ano, sendo demandado a passar mais tempo com minha família.

Minha irmã representa essa posição de cobrança mais dura à qual eu sempre tento resistir. E fui desenvolvendo estratégias pra tanto, pois do contrário, seria sugado por ela, que de certa forma acha que as demais pessoas têm de viver em função da rotina dela, dos filhos e do marido. 




Meus pais já expressaram sutilmente em muitas ocasiões que se ressentem e que gostariam de me ter mais por perto. Pra mim é muito difícil, pois o trabalho me consome demais durante a semana e nos finais de semana tudo o que quero é um pouco de descanso e um outro tanto de prazer. Gosto de ficar sozinho em muitos momentos e em outros, quero a companhia dos meus amigos.

Separar parte do final de semana para programas familiares quase sempre significa abrir mão dessas coisas. E aí eu fico muito incomodado na hora, por sentir que estão tentando me tirar o sossego que tanto prezo e busco. 


E tem a outra oposição que o sonho retrata muito bem, entre a vida tradicional e certinha representada pela família e a vida lasciva gay; do tipo levar a sobrinha pra pedalar na Paulista no domingo depois de ter fritado na balada a noite anterior. [Por favor gente, sem julgamentos morais...] 


Equaçãozinha complicada essa, mas que não vejo muita solução a não ser a manutenção dessa distância saudável e o aperfeiçoamento das estratégias de resistência. Me incomoda um pouco perceber essa situação de pouca afinidade em relação aos meus pais e não ver muito horizonte de mudança pela frente. 

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