terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Pais e filhos - conflito de gerações

Nunca escrevi um post falando mais especificamente sobre meu pai. 

Mas ontem tivemos uma conversa muito interessante, que resume de forma muito precisa uma série de opiniões dele a meu respeito e a forma como ele enxerga o mundo (especialmente em relação aos filhos dele).  


Há umas semanas o Laio (aquele do casal) escreveu dois posts no face também relatando diálogos com o pai. 

Num 1º o pai brincava com ele, falando que ele estava 'perdido na orgia' (ao que o Laio retrucava que era experiente e cuidadoso o bastante pra entrar na orgia sem nela se perder). #adoro

Num 2º post o pai de certa forma cobrava dele uma situação material melhor do que a que ele tinha e o Laio de forma sutil dizia que isso não era o mais importante da vida (eu comentei dizendo que os pais são todos iguais, e que isso se explicava basicamente por uma 'diferença no repertório'. E claro... porque eram pais).


Meu pai é um cara extremamente conservador. Conservador nas idéias e conservador quanto a assumir riscos. Isso se explica basicamente pela formação cristã rígida e pelo fato de ele próprio ter perdido o pai muito cedo, de forma repentina, o que gerou muitas dificuldades em uma família de muitos irmãos. A morte do meu avô foi um evento bastante traumático e que marcou toda a trajetória da família a partir de então. 

Ontem eu falava pra ele sobre alguns projetos meus pra 2017 que destoam do que se espera de uma trajetória profissional linear. E não foi a 1ª vez que falamos disso, já tivemos alguns outros embates anteriormente. Minhas escolhas profissionais e a trajetória que construí foram muito, mas muito diferentes do que ele vislumbrou pra mim e em diversas ocasiões isso lhe causou estranhamento e incômodo. Creio que por diversas vezes ele deve ter se perguntado: mas o que será que esse menino pretende da vida?  E é aí que a tal "diferença de repertório" faz com que qualquer tentativa de resposta dada não ajude em muita coisa.

O interessante é que onde eu enxergo uma oportunidade rica de vivência, ele enxerga dificuldades e, acima de tudo, riscos diversos. (e olha, os últimos anos têm me ensinado que vale a pena sair da zona de conforto e se permitir mudanças e novos desafios... e que pra isso ter mais chance de dar certo, planejar e amadurecer as questões e novos projetos é fundamental!)

Disso foi um passo pra nossa conversa entrar nos temas: "bebida" (o termo que ele usa, de forma pejorativa), homossexualidade e drogas. 

Sobre "bebida", ele disse que tinha muito receio do fato de eu e meus irmãos bebermos, pois há vários casos de alcoolismo na família da minha mãe e ele quis reforçar que há um componente genético envolvido e que precisamos estar atentos a isso. Olhando assim, parece que eu e meus irmãos somos "bebuns", mas não, de fato apreciamos algumas bebidas como qualquer outro cidadão comum. Mas meu pai disse que queria ter a tranquilidade de que nos alertou devidamente a respeito disso.

Sobre "homossexualidade" (palavra dita num tom muito formal), ele me relembrou os riscos da atividade sexual fora do casamento (ou seja, com múltiplos parceiros) e que havia atualmente no país uma epidemia de sífilis (já abordei o tema nesse post aqui), além de um grande crescimento no número de novos casos de HIV.

Eu retruquei dizendo que isso não era algo exclusivo de gays, mas de qualquer pessoa sexualmente ativa. Ao que ele respondeu: mas estamos aqui falando da sua situação. Eu não tenho esse risco, porque tenho apenas a sua mãe de parceira. Eu disse então que há diversas estratégias de prevenção para as situações relatadas e que sempre faço uso delas.

Mas claro... pensar que meu pai vai achar normal alguém com múltiplos parceiros é querer demais... O interessante é que ele enxerga, prioritariamente, o risco. E acho que na equação dele, a existência do risco deveria ser justificativa mais do que bastante pra vc não fazer determinada coisa, não embarcar em determinada experiência. O risco é maior do que a estratégia de prevenção (por que, afinal, ela pode falhar, não é mesmo?).

O terceiro ponto - drogas - foi o mais interessante. Eu há alguns anos já tinha falado pra ele que havia experimentado maconha e que tinha uma visão mais liberal sobre o tema. Daí ontem ele me confessou que ouvir isso de mim naquela ocasião fez um mal muito grande a ele, que ele não tinha me criado pra isso e que via com muita preocupação o fato.

Meu pai não faz muita distinção entre os vários tipos de drogas e pra ele o uso é sempre problemático (tendo como exemplo as pessoas que desenvolvem traços severos de dependência). Não há meio termo nesse assunto e pra ele, o mundo ideal seria aquele das campanhas que pregam 'um mundo livre de drogas' (creio que ele nem saiba da existência de drogas sintéticas...).

Eu tentei polemizar e ampliar a discussão falando de uso recreacional, que a visão do usuário dependente e sequelado não pode ser tomada como única possibilidade e que há milhares de pessoas que fumam maconha sem que isso traga prejuízos à vida social e profissional delas (e olha que eu nem fumo maconha, muito esporadicamente...).

Lembrei ainda que em muito pouco tempo a maconha estará totalmente descriminalizada na maior parte do mundo, e que perante situações de risco, é aí que entra o discernimento de cada um para fazer uma avaliação desse risco: fumar uma pedra de crack é muito diferente do que fumar um cigarro de maconha.

Mas pra ele, tudo está contido num plano sequencial. Você começa com maconha e fatalmente chega ao crack e à cocaína. Vc começa tomando uma taça de vinho e, sem perceber, em algum tempo estará tomando uma garrafa. Tudo bem linear e determinista.

Eu tentei despreocupa-lo, e perguntei se ele acreditava que eu e meus irmãos tínhamos o mínimo de juízo na vida: ele disse que sim e que tinha muita segurança de que toda a família estava entregue nas mãos de deus (ainda que eu pudesse não ter essa visão, para ele era muito claro isso). Eu reforcei o tema dizendo que se nós não tivéssemos juízo, muita coisa ruim poderia ter acontecido já, e não aconteceu.

Falei que determinadas escolhas minhas tinham de ser lidas como a busca por diferentes experiências de vida, que eu acho saudável sair da zona de conforto e que a vida é uma só, precisa ser vivida. 

Fazendo uma análise de toda a conversa, eu imagino que seja difícil pra ele mesmo. Se eu seguisse exatamente a trajetória linear que meu pai vislumbrou pra mim, eu seria médico no interior, teria meu consultório, estaria casado [com uma mulher], teria um casal de filhos e algum cargo na igreja. Nesse momento da vida, eu já seria um respeitado pai de família e estaria basicamente preocupado com a criação dos meus filhos, netos dele.

Só que nada poderia ser mais diferente do que a realidade. Eu sou um cara que gosta de beber, sem pretensão de casar e ter filhos, que tem múltiplos parceiros sexuais e, pra piorar, que não vê grandes problemas no uso de algumas drogas. Dificil, né? Deixei claro que isso não fazia de mim uma pessoa melhor ou pior e que não cabiam julgamentos morais sobre tais escolhas (e aqui, basicamente, estamos falando de escolhas que fazemos ao longo da vida... bem diferente da falácia - já superada - de que ser gay é uma "escolha")

Eu já tive altos ressentimentos pelo meu pai durante muitos anos... cheguei até a pensar que ele era o 'grande culpado' por eu ser gay... Hoje, felizmente, temos uma relação bacana, nós temos assuntos em comum, eu o admiro por uma série de coisas e me vejo cada vez mais parecido com ele em diversos aspectos da minha personalidade e do meu modo de agir. Mas isso foi uma construção de anos, com auxílio de uma boa terapia e com um mínimo de disposição para buscar essa aproximação.


Eu juro que consigo perceber o cuidado dele ao me dizer tudo isso, para além da visão conservadora da vida. Nisso não tenho do que reclamar, eu e meus irmãos sempre fomos prioridade pros meus pais e nunca me senti desamparado (ao contrário de alguns amigos que viviam meio que largados, os pais não estavam muito a fim de acompanhar a criação). Tudo bem que meu pai não foi a pessoa mais carinhosa na infância e adolescência, nos educou com mão de ferro e sem muita abertura pra diálogo. Mas isso se ameninou bastante depois que nos tornamos adultos, saímos de casa e hoje ele é um pai bem mais afetuoso do que foi anteriormente.


Concluindo o post, eu acho importante termos a consciência de que muitas de nossas escolhas provavelmente não farão sentido (ao menos de início) e até poderão chocar nossos pais (e se um dia formos pais, isso também acontecerá conosco fatalmente). E que é importante ter em mente de que devemos criar nossa própria trajetória de vida, com aquilo que almejamos, ainda que seja diferente do que nossos pais vislumbraram - por mais difícil que possa ser.

Ser autêntico é lutar por aquilo que se quer e que se acredita lhe seja mais próprio.  

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