domingo, 30 de abril de 2017

Fetiches do dia-a-dia

Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém. (I Coríntios 6:12)

 

L: Viajando?
HS: Sim, viagem longa e pra longe. Acordado ainda Lê?
L: rss.... Aqui são 2130.
HS: Eh só eu ficar fora q vc começa com hábitos ruins kkkkk.
L: E tanta história pra contar kkkk.
HS: Eh mesmo? Opa!
L: Afff. Só vc voltando pra me regular.
HS: Quem te comeu?
L: kkkkk o macho alpha q eu tava adiando conhecer. Me arregaçou!
HS: Gente...
L: Fiquei quase abalado.
HS: Até tremi o dedo aqui. Quem eh esse?
L: Dúvida cruel se levo adiante.
HS: Lembro de uma história dessas mas qdo vc tava com seu ex.
L: Teve tb?                                                
HS: Teve. Um cara que te deu uma intimada forte.
L: Pensa num cara gostoso.
[manda foto]
HS: hahahaha q tesão esse cara. Deve ter feito barba, cabelo e bigode em vc. E ele curtiu tbém? Quer repetir ctgo?
L: Cara tá fissurado hahaha. Tem os q curtem homens maduros. Ahaaaa sou maduro kkkkk. Ai meu amigo, fiquei c medo de confundir minha cabeçinha.
HS: Lê, pra vc estar assim eh pq deve ter sido mto intenso.
L: foi pra caralho.
HS: E te proporcionado sensações diferentes das usuais. Pq não usufruir? Seria muito contraditório?
L: Aí já não sei. Tive medo de estar voltando para um conhecido muito angustiante. Tesão demais e nada demais. Sei lá... [grifo meu]
HS: Huuummmm.... Nossa, isso eh muito interessante. Ah Lê, eu sempre sou pelo lado de não deixar passar coisas boas. Acho que vc tem tarimba suficiente pra levar isso sem surtar...
L: Pois é... Mas com o namorado tá bom demais. Não seria besteira pôr em risco?
HS: Mas tbém tem tarimba pra preferir não... Vc não eh obrigado e não precisa disso pra ser feliz. Já provou o que tinha de provar hahahaha. 
L: Cara rolou um lance de dominação surreal. Sutil.
HS: E vc curte dominação né, Renata? [piada interna de amigos com altíssimo grau de intimidade]
L: Tipo o lançe era eu cozinhar pra ele enquanto ele ficava vendo TV, tomando heinekken e fumando seu marlboro. Juro, um tesão! E meio carinhoso, mas tb brusco. Pura fantasia.
HS: Te bateu?
L: Uns tapas na cara enquanto metia. E no fim me comeu numa posição em que eu não tinha como escapar. Olha! Tesão.
HS: Essa fantasia eu tenho tbém... De não ter como escapar...
L: Cara, depois posso te comer assim!!! Kkkk td mto didático.... Seu lindooooooo!
[risos....]

Se quiser ficar só com o gostinho da fantasia dessa transa na cabeça, termine a leitura por aqui...

Se quiser ler e analisar alguns aspectos da conversa, vem comigo!

Em primeiro lugar, eu tô meio passado por ter usado um versículo bíblico pra abrir o post. E especialmente este versículo de Paulo, porque sempre me incomodou essa história de que "nem tudo me convém". Explico: na minha vida sempre tive de conviver com gente me limitando os desejos e as ações, tive uma criação rígida de pai conservador e da própria igreja, e infelizmente, a educação cristã tradicional tende a colocar deus como um pai punitivo e o pecado como ponto central de toda a doutrina. Perverso, não?

Eu abandonei há muitos anos esse conceito maldito de pecado e disse pra mim mesmo que nunca mais deixaria ninguém me dizer o que deveria ou não fazer, ou me dizer que algo era proibido ou que não me convinha... Quem decide isso sou eu! Quero inclusive ter a prerrogativa de cometer meus próprios erros e de aprender com eles. 

Então o uso deste versículo aqui tem esse sentido: ninguém melhor do que você pra decidir se algo lhe convém ou não. Os outros até podem opinar, falar da própria experiência, mas quem decide é você. Isso sim é livre arbítrio! (E por favor, decida sem medo de represálias divinas ou de ir pro inferno futuramente). Tem vontade de fazer? analise, meça as consequências, planeje... E faça! Eu prefiro me arrepender de algo que fiz do que de algo que deixei de fazer (por medo de arriscar). 

A discussão do que convém ou não cabe bem neste relato do Léo, amigo meu carioca e super querido! Não conversávamos já há algumas semanas e num dia de semana à noite ele me escreveu pra contar o ocorrido. Léo tem um namoro estruturado, maduro e há uma abertura 'tácita' entre eles pra experiências extras ocasionais (e ninguém precisa contar pro outro... Só se proteger, óbvio!). E essa abertura é muito conveniente porque eles moram em cidades diferentes então se vêem com menor frequência. Convenhamos: é algo bastante civilizado e razoável, não? (bom, eu acho...)

Então meu amigo Léo por vezes se diverte, dá uma variada, alivia o tesão e o stress com histórias como esta. Mas dessa vez foi um pouco mais do que uma mera foda pra não acumular fluídos. Rolou uma identificação maior com a fantasia de dominação, um certo desejo de ser subjugado por um macho - e pelo visto, ele encontrou alguém perfeito pra realizar.


Conversamos dias depois e o Lèo (um ser humano já bastante analisado por anos de terapia) me disse que havia pensado na situação e chegado à conclusão de que não precisa disso. Que ele é homem macho também e não precisa ser subjugado por outro homem macho. A idéia em si soa interessante, excitante pra ele, mas na hora H, também rola certo desconforto em se imaginar naquele papel subjugado. Foi uma conclusão interessante,  que o deixou tranquilo para não continuar essa história, e ele nunca mais se encontrou com o tal cara gostoso. 


O outro ponto interessantíssimo é o que ele fala na frase que grifei: Tive medo de estar voltando para um conhecido muito angustiante. Tesão demais e nada demais. 

Essa é uma situação que vira e mexe me confunde a cabeça. Acho que nós partimos do pressuposto de que se existe tesão, tudo o mais vai existir... Mas basta pouco tempo pra gente se dar conta que nem sempre. E aí, o que fazer numa situação assim? Pra algumas pessoas pode ser muito frustrante acontecer isso, elas estão de certa forma -condicionadas- a se envolver em relações que tragam necessariamente alguma carga de sentimento junto. Outras pessoas conseguem administrar isso bem e fazer a separação entre sexo e sentimento, sabendo que podem aproveitar estes momentos, apesar de não serem necessariamente "completos", e que tudo bem ser assim. 

Mas tem uma variável que precisa ser levada em conta aqui: quando rola tesão de ambos os lados e ninguém tem outra expectativa, daí tudo bem - estaríamos diante do famoso conceito de pau amigo e isso pode ser incrível. O que pega mesmo é quando as expectativas diferem entre os dois. É aí que mora o perigo. 

No caso do Léo, o que pegou mesmo parece ter sido a sensação de que só tesão demais é insuficiente pra ele e que mesmo a foda mais foda do planeta não valeria a angústia do vazio que viria na sequência. Claro, faz sentido, se você considerar que ele tem tesão e vários 'algos a mais' quando está com o namorado. 

Pra fechar, quero falar um pouco sobre essa coisa de ser dominado por um outro homem. É incrível a herança machista que ainda recebemos e sob a qual somos educados. A questão aqui não é sobre orientação sexual e atração por pessoas do mesmo sexo. É muito mais sobre gênero e como nós gays nos enxergamos como homens. 

 

Eu até acho que faz sentido pensarmos que antes de sermos gays, somos homens. E aí, como é que temos nos visto enquanto homens que somos?

Nossa sociedade machista e preconceituosa estabelece medidas de valoração e escala que colocam certos tipos no panteão da masculinidade (os tais machos-alpha, por exemplo) e claro, para que isso seja possível, terá necessariamente de jogar outros tipos nas partes inferiores da escala. E isso muitas vezes nos traz sentimentos de inferioridade, incapacidade, a ponto de precisarmos olhar em outra figura masculina como se buscássemos algo que supostamente nos falta. 

Ou mesmo na via contrária: quando rechachamos os tais "afeminados" (ai gente, que horrível essa atitude dos gays... Muito triste ver tanta ênfase nisso, sinceramente) e no fundo acho que temos medo de que estar perto de alguém assim vai nos "roubar" a masculinidade (aquela que julgamos não ter o suficiente) - da mesma forma como muitos héteros têm esse medo inconsciente de que podem "virar gays" se conviverem com outros gays. Muito louco, né?

É uma equação perversa e muitas vezes enraizada em nós. É difícil quebra-la, se libertar, mas não é impossível. Me pergunto quantas vezes procuramos masculinidade no outro pelo fato de não conseguirmos enxergar isso em nós. O próprio Léo se questionou isso: por que preciso de um suposto macho alpha pra me dominar se eu sou homem e tenho tanta potência quanto ele?

 

Não quero com isso bancar o chato e ficar tirando o barato dos outros. Há algumas fantasias que podem ser interessantíssimas...Eu mesmo tenho fantasias com lutas, me imagino numa luta onde quem imobiliza o outro, come ele como prêmio. Ou situações em que o parceiro te prende e te come, sem você ter como escapar hehehe... Um jogo simulado (e claro, consentido) de dominação. No fundo, seja hetero, seja gay, sexo tem um quê de dominação e competição.

 

A questão é só mesmo avaliar até que ponto curtimos isso por não nos vermos homens o bastante.A fantasia pode ser super saudável ou mostrar algo interno que precisa ser trabalhado em nós. 

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