terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Os putos da família



Com todo respeito eu te pergunto:
Você quer, você quer ousadia?
Você quer, você quer putaria?
(MC Kátia, Medley brabo, Roda de Funk)

A conversa começou quando eu enviei pro meu primo Arthur uma pérola do autêntico funk carioca com Mc Kátia, uma das minhas funkeiras prediletas.

Foi meu primo Arthur quem, há uns 13 anos, me apresentou à Tati Quebra-Barraco, declamando de cor aquelas letras incríveis, das quais a mais clássica era a icônica Fogão Dako (me lembro até hoje comprando o cd lá na Uruguaiana, no centro do Rio, numa semana em que estava lá fazendo o campo da minha dissertação de mestrado). 

O Arthur é de uma geração de primos mais nova que eu. Acho que a Tati foi a 1a descoberta de algo em comum que tínhamos e foi uma curtição só (óbvio, porque ninguém mais curtia, e nós nos deliciávamos com as letras lascivas e um tanto quanto toscas - é tosca mas a gente adora!).

Um parêntesis sobre o disco da Tati (que acredito ter sido o seu disco de estréia - depois de algumas músicas já feitas e de já estar estourando com alguns sucessos pelos bailes funk cariocas).


Eu acho esse disco incrível por vários motivos: foi produzido pelo lendário DJ Marlboro - e essa produção foi fundamental para o disco se tornar o clássico que se tornou. Meu... os caras samplearam Papa don´t preach da Madonna e aquela musiquinha de cornetas da trilha do Rocky Balboa (que depois seria também sampleada pela Mia e pelo inesquecível SapaBonde). E ainda teve participação de MC Serginho (aquele do "abre a boca não se espanta, vou gozar na sua garganta!"). 

Confesso que nunca tinha visto linguagem sexual tão explícita e ao mesmo tempo criativa e engraçada... misturada ainda com um tom super afirmativo de poder e desejo feminino, inclusive pondo os machos num papel submisso. Certamente uma miscelânea muito interessante que reflete bem o Brasil urbano periférico dos anos 2000 (e falo 'periférico' aqui sem nenhum tom pejorativo)   .

O funk da Tati Quebra-Barraco foi só o chamariz de mais afinidades que com o tempo fomos descobrindo nas conversas que tínhamos. 


Então a conversa pelo messenger deu-se dessa forma:
HS: Ouviu o arquivo que mandei? 
 A: Uma aula! Tinha escutado e esqueci de responder. Ainda apoio as amantes!
HS: HAHAHAHA. É um bom debate para termos no natal. Fiel X Amante. Òbvio que vc apoia as amantes. E vc, como tá?  
 A: Tô trabalhando mais que tudo. Estava fraco de mulher... só que chega fim de ano, acho que bate aquela dor no coração de ainda estar sozinha e aí venho de uma semana boa. Em vez de fisgar tô batendo rede hahahaha.
HS: Hahahaha. De umas três semanas pra cá tô batendo rede aqui tbém... muito peixe graúdo. Mas amor mesmo que é bom... nada... só putaria mesmo! A gente vai se virando como pode. 
A: Pois é... difícil largar esssa vida, ainda mais quando vai aparecendo... em dezembro só vou ficar entre natal e reveillon. Mas preciso colocar papo em dia contigo. Vidinha de adv está começando a ficar boa.
HS: Faremos isso no natal meu primo! Fico feliz em saber que eu não sou o único puto na família! Quer dizer, putos têm muitos ali! Mas que põem a cara a tapa sem hipocrisia, só nós dois mesmo! hahahahahaha. 
A: hahahahahaha sim. Sou com um sorriso no rosto.
HS: Eu tbém!!!! Queria que a tia Renata ouvisse uma conversa nossa hahahahaha uma básica já estaria de bom tamanho... sem entrar em temas mais adultos hahahahaha depois preciso te contar das minhas experiências "químicas".  
A: puts verdade! no fim acabei nem experimentando aquela lá.
HS: precisa ver o cardápio disponível kkkk ano novo vou pro Rio! E quero saber da vida de advogado tbém, como tá sendo, o que vc tá fazendo. 
A: Tô recebendo até amor como pagamento hahaha. Está indo bem.
HS: e não é válido?! hehe.  
A: Mto. Cliente satisfeita com uma liminar.
HS: hahahahaha só não deixa a OAB saber. 
A: só vc que sabe.
H: tranquilo hehehe... vai continuar assim hehehe.
Sim, o Arthur é hétero. 100%. Mas desde que soube que eu era gay nunca manifestou uma pontinha sequer de preconceito e foi um dos que melhor me acolheu. E quando nos encontrávamos (não eram muitas vezes pela correria da vida de SP) eu fui me sentindo à vontade pra abrir coisas com ele sobre minha vida gay. Lei da ação e reação, ele também começou a partilhar as coisas dele comigo. E acho que acabei virando um confidente dele.  

O bicho tem mel! Fato. É impressionante a mulherada na cola dele. E do que conversávamos, ficava evidente que ele sabia muito bem como satisfazê-las na cama. E a putaria rolava solta na faculdade. Ele tem um sorriso dengoso no rosto que deixa elas derretidas, uma malandragem doce, mas que sabe botar pressão quando precisa - ou quando elas pedem.  

Até que lá pelas tantas ele começou a namorar mais sério e ficou noivo. Acho que bateu uma pressão da família, um certo senso de "sou adulto, preciso trabalhar e me encaminhar na vida, constituir família". Mas até onde entendi, chegou uma hora que a relação começou a ficar muito ruim, desgastada e a noiva, muito insegura e bastante enciumada, decidiu terminar. Eu não sei até que ponto isso foi uma jogada dela, mas o fato é que ele não quis voltar. E ela se arrependeu amargamente pela infantilidade que fez. 

Ele tinha terminado há pouco no dia em que nos encontramos na casa do irmão dele. Fomos fumar lá na área de serviço (detesto cigarro, mas em raras ocasiões puxo um trago com quem me oferece) e ele me contou da retomada da putaria, das aventuras com as estagiárias do escritório (ele ainda não tinha se formado), das idas na casa de swing e das noitadas na república em que estava morando. Era uma frequência de dar inveja. 

Foi legal que nesse dia eu meio que percebi que talvez ele fosse um pouco como eu - descobriu uma certa liberdade e desapego que são muito prazerosos de serem exercidos, o 'estar solto' na vida, relacionar-se com diversas pessoas, usufruindo e interagindo, com trocas que envolvem não apenas sexo, mas que se estabelecem também a partir de outras afinidades (a relação dele com as mulheres não era só sexual, de ir pra cama, meter e gozar... envolvia outros elementos que tornavam as histórias mais interessantes - e por isso mesmo, mais duradouras). Percebia que as mulheres viam nele coisas que não viam nos namorados tradicionais.

Essa liberdade - que tanto ele quanto eu descobrimos e passamos a exercer - de tão deliciosa que é pode ser um caminho sem volta... Se acostumar com o passado pode ser muito difícil, senão impossível. 

Eu disse com muita ênfase que ele não precisava forçar a barra pra se adequar a uma expectativa da família, que ele não precisava noivar e casar só porque era isso que esperavam dele e que era legal pensar nisso, porque talvez ele não fora feito pra casar como o irmão dele, por exemplo. 

O papo no messenger fez mais sentido ainda nos dias atuais, depois de uns embates muito desagradáveis que rolaram no whatsapp da família envolvendo a "tal" ideologia de gênero. Vários familiares conservadores, inclusive um tio que eu julgava ser progressista, destilando falta de conhecimento e histeria; eu não consegui me conter, fui pro embate e acabei me expondo, dando exemplo de situações minhas como forma de mostrar alguns absurdos que estavam sendo propagados. Foi algo que me entristeceu muito e reconhecer no Arthur alguém mais próximo da minha maneira de ser e pensar foi um tanto quanto alentador. 

Essa conversa que tivemos na casa do irmão dele já deve ter uns dois anos e desde então não me lembro de ele ter namorado sério de novo. E pelo teor da conversa da semana passada, ele está muito bem assim. Não sei se vai ser por muito ou pouco tempo, e isso não importa. O que importa é que agora, nesse momento, ele está bem, curtindo a vida, se permitindo e tendo histórias e momentos interessantes e intensos. Não é hora de se preocupar com o futuro (ao menos no caso dele).

Sim, somos putos. E com um sorriso no rosto!




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